MORTE E CELEBRAÇÃO: Turismo Cultural

Por Jorge Silveira Duarte

A morte é um acontecimento inevitável, um momento que marca o ciclo da vida para todos os seres vivos. Para os mexicanos, contudo, o Dia dos Mortos é muito mais do que uma simples ocasião para recordar os que já partiram. Este dia é, acima de tudo, uma festa vibrante, onde alegria e humor tomam o lugar da tristeza, celebrando a memória dos antepassados com muita cor, música e comida.

Em 2008, a UNESCO reconheceu essa tradição como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, destacando a sua singularidade e importância na preservação das identidades culturais mexicanas. Este reconhecimento despertou ainda mais minha curiosidade sobre o tema, o que me levou a explorar as práticas culturais em torno da morte numa viagem ao México em 2023.

O artigo abaixo é uma revisão do relato feito naquela época e publicado agora em homenagem ao Dia dos Mortos. Para entender melhor essa celebração no México, é fundamental mergulhar nas raízes históricas e espirituais que moldaram essa tradição.

Neste percurso, compartilho uma experiência pessoal na cidade de Actopan, que visitei como parte de um projeto de intercâmbio cultural, o “Convênio de Hermanamiento”, entre Actopan e Águas de São Pedro, em São Paulo, Brasil. Em Actopan, testemunhei de perto o valor que o povo mexicano atribui à história e às suas raízes culturais, um legado que confere uma forte identidade territorial ao país e contribui para torná-lo o destino turístico mais visitado da América Latina.

A Arquitetura em Actopan

Uma das visitas foi ao  Templo y exconvento de San Nicolás de Tolentino, que é um destino em si. Obra de 1500 é considerada um dos monumentos históricos mais importantes do estado de Hidalgo.

O Guia Pepe, cuja principal competência é conhecer e compartilhar toda a história do local, entre outros, respondeu a uma questão que lhe fiz: Por que a frente do templo aparece com 3 estilos diferentes? Então ele explicou que a construção foi feita em tres fases que tiveram distintas influências.

O Templo, prédio à esquerda na foto, tem influência Helenista (expansão da cultura Grega), A torre, no meio, influencia Morista, dos Moros da África do Norte, arquitetura muçulmana e à direita a entrada do ex-convento com influencia Romanística do império romano. Internamente com obras e pinturas belíssimas e muita, muita história que deixo para o Pepe contar o dia que venham visitar Actopan.

A celebração da morte

Uma outra visita foi à uma cidade vizinha chamada “Real del Monte” ou “Mineral del Monte” que fica a 50 km de Actopan.  É uma pequena cidade mineira localizada a 2.700 metros de altura e cuja geografia lembra a cidade paulista de Campos do Jordão. Mas as suas rua ínfrimes e edifícios baixos datados do período colonial me lembraram a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais.

Do local foi extraído 6% de toda a prata do mundo, mas o mineral um dia acabou e o povo teve que se repensar e a saída foi o turismo

O ponto alto do passeio foi tomar um chocolate e comer pastes inglesas (conhecemos como empanadas. Os ingleses tiveram influencia no local pois fizeram parte da exploração da prata) e conversar sobre a morte.

Na realidade eu puxei o assunto pois a tal da celebração dos dias dos mortos que os mexicanos festejam me despertava curiosidade. Jorge — meu xará — e diretor de comunicação do município Actopan perguntou-me o que significava a morte para mim. Um pouco desconcertado comecei a responder de forma cuidadosa, mas no fim ele concluiu que os europeus e grande parte dos povos latino americanos não falam da morte, dando-lhe conotação de mito. E, afirmou que os mexicanos, por influência dos seus antepassados falam com muita tranquilidade da morte. Acontecimento inevitável e que faz parte do processo dos seres vivos. É importante entender que esses povos não tinham a crença de céu e inferno para o pós-morte. E, os mexicanos “celebram a data do dias dos mortos para honrar a vida e a memória daqueles que já morreram, especialmente membros da familia”.

(Abro um parêntese para uma breve história de um outro local, que visitei, mas não irei tratar aqui. O lugar é “Tula del Allende” onde existem pirâmides construídas pelos Toltecas, povo anterior aos Aztecas do período entre os anos 600 e 900 depois de cristo. Um dos edifícios é um campo para realizar um jogo, chamado pelos espanhóis de “Juego de pelota” (jogo de bola) onde o melhor jogador, aquele que se destacava, era morto e a sua cabeça era oferecida à deusa Coatlicue

Da mitologia Azteca, deusa da vida e da morte, mãe dos deuses. Também considerada a “deusa da dor transformadora, que ao passar pelo sofrimento se fortalece e gera a energia poderosa da luz e da renovação”. Ou seja, como morrer era natural, entregar o corpo à deusa que reconheceria o ser pelo seu destaque, era então uma honra. Todos queriam ser o melhor para oferecer a sua cabeça à deusa. Abro mais um parêntese dentro do parêntese. Jorge me dizia, para tentar entender isto é preciso se desconectar do judaico-cristianismo e aceitar que antes já existiam outras religiões e outros deuses e outras culturas que com a chegada do cristianismo e mais à frente com a colonização dos espanhóis foram tirando ou tentando tirar dos trilhos esse patrimônio histórico-religioso Azteca. Fecho o parêntese)

As fotos das esculturas foram tiradas no Museu Nacional de Arqueologia. A caveira representa a morte e os raios do sol, a vida, ambos fazendo parte de um mesmo movimento. Ao lado a representação da deusa mãe.

Volto à história (sempre ouvindo atentamente o meu xará). Existiam dois casos em que a morte era premiada pela deusa. Uma quando um guerreiro morria defendendo o seu coletivo e a outra a mulher grávida que iria gerar uma vida. Os demais eram simples mortais. Mas todos eles, os mortos, teriam necessidade de ter um contato com os entes mais próximos e então a deusa concedia, um dia por ano, a oportunidade de estarem próximos. Hoje, mais de 1500 anos depois, essa “oportunidade” continua sendo cultuada no México e ocorre nos dias 1 e 2/11, dia dos mortos. Então essa data é de celebração. As famílias em casa ou em algum local preferido do morto criam um “altar” com fotografias e oferendas daquilo que a pessoa gostava. Pois ela estará próxima e gostará de ter contato com aquilo que já vivera ou experienciara. Mas igualmente ou mais importante é ascender uma vela. Pois os mortos precisam continuar e retornar ao caminho de onde viemos, deus, o mais precisamente a deusa Coatlicue mãe de todos os deuses. O ritual inicia ainda no dia 1/11 somente para as crianças. Todos podem oferendar às crianças, pois estas tiveram o percurso interrompido antes de chegar à vida adulta.

Podemos nessa celebração, recordar histórias, ouvir músicas de preferência do(s) morto(s), preparar comidas e bebidas prediletas e o que a sua imaginação e desejo de proporcionar um bem estar puder.

Sorrir, se emocionar, chorar…..vale. “Expectativas podem ser atendidas nesse dia e a presença dos entes queridos, o altar e fundamentalmente a luz (representada pela vela) ajudarão ao(s) morto(s)a iluminar o caminho de volta.

E entre essa e outras conversas o meu xará Jorge de Actopan me escreveu um breve poema sobre a morte, que diz

Andaba buscando la muerte

A Jorge de Aguas de San Pedro Brasil

Cuando ésta llegó a los baños,

No le encontró ni por allá ni por aquí

La huesuda preguntó a los de Turismo y su consejo

– En dónde está aquel catrin?

– Se fue para México a vacacionar, le respondieron

Que a unos actopenses quería visitar

Con que sí! ese hombre viajero,

Ojalá que por allá deje un buen recuerdo,

Que coma mucha barbacoa y ximbó y

Díganle que yo, La Muerte, lo espero

En las aguas termales de San Pedro.

A morte andava buscando

A Jorge de Águas de São Pedro Brasil

Quando esta chegou aos banhos (sulforosos)

Não o encontrou nem por lá nem por aqui.

A ossuda (morte) perguntou aos do turismo e o seu conselho

– Onde está aquela catrina (caveira)?

– Foi-se para México de férias, lhe responderam

Que a uns actopenses queria visitar

Pois então! esse homem viajante,

Tomara que por lá deixe uma boa lembrança

Que coma muita barbacoa e ximbó e

Digam-lhe que eu, A Morte, o espero

Nas águas termais de Águas de São Pedro.

Todo esse contato com a morte me fez muito bem e confesso, ainda que eu não seja necessariamente religioso, tive muito mais identidade com a Deusa Coatlicue, mãe de todos os deuses (politeísmo) do que com o Deus pregado pelo catolicismo (monoteismo). Mas a minha primeira prática religiosa depois de adulto será celebrar sempre o dia dos mortos com a influencia cultural mexicana. Quem sabe outros se animam e podemos ir trocando sobre o assunto? Vamos?

Jorge C. Silveira Duarte Psicólogo, com pós-graduação em Recursos Humanos e especialização em Desenvolvimento Local pelo Centro Internacional de Formação da OIT/ONU/Itália, com  MBA em Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP e com formação em Coaching pela Jyväskylä University of Applied Sciences/Finlândia. Trabalhou no Senac São Paulo de 1997 à 2021 com desenvolvimento de comunidades e planejamento municipal e regional do turismo. Criou os programas Rede Social, Desenvolvimento Local e Regionalização do Turismo.

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